Fisiologias


- Ahhhh!
- Ah, que bom! Já chega! Agora está na hora de você tirar este corpo suado e peludo de cima de mim e ir embora daqui. Você bem sabe como me irrita olhar para sua cara toda vez que terminamos tudo!
Com o tom de voz agressivamente firme dotado do português bem pronunciado, sem contrações fonéticas, ela o expulsa do quarto. Já havia tido os seus divertimentos e aquele final tedioso era um dos poucos atos altruístas que era capaz de conceder ao universo ao seu redor. – Calma, espera, menino! Pega aquele maço de cigarro e me joga aqui! – tapa um dos seios a mostra com o lençol. – E o isqueiro também!
“Necessidade fisiológica, minha filha!”, essa era o fio da meada batida que tentava sacramentar como uma pastora de igreja neo-petencostal na vida das suas amigas.  Aquelas ultrapassadas que trepavam apenas com homens de mais que uma noite. Aquelas puristas que sonhavam com a estabilidade do relacionamento, com o amor enfim. Quanta bobagem! A sua postura firme e difícil de ser enfrentada foi posta a prova:
- Não trato os homens como objeto. Os trato como humanos que tem necessidades a serem supridas. Eu tenho as minhas! Ligo para eles, os iludo com meu charme, inteligência e depois com meu batom, perfume e tiques de mexer o cabelo e sobrancelha que me fazem ficar naquela tênue linha entre a sensualidade e a vulgaridade que os homens adoram. Isso não é feminismo é sobrevivência. É o animalesco do homem que hoje punja com mais verdade, desprovido de conceitos e preconceitos. Inclusive...
-Bla, bla, bla! Cala a boca! Você só faz isso, pois é só isso que você consegue!
- O quê?
- É isso mesmo! Só isso. Você prega essa liberdade e desprendimento do conceito social, da moral cristã e de tudo que é comum, popular ou trivial. Mas tudo isso é moldura fina do quadro depressivo que você representa. Todas sabemos que o que você quer é a normalidade. Te vimos chorando no casamento da Isabela mês passado! O que foi aquilo? Emoção por ela estar enfiando a vida no cu. Não é isso que é casamento pra você? Enfiar a vida no cu? Pois então! Além do mais, já estamos cansadas...
De sopetão, ela levanta e calmamente vai embora da mesa de bar com o toque do fino salto dos seus sapatos ritmando seu passo em direção a saída . No supermercado, escolhe o vinho por maior teor alcoólico, não pelo ano da safra do Cabernet Sauvignon, como de costume. Já no seu apartamento, as taças na mão, os pés descalços no tapete persa, os olhos vidrados no horizonte de São Paulo pela vista da sua janela e na mente uma só ideia.
- Estou te esperando, vê se não demora antes que eu me arrependa!
Naquela noite se entregou como não fazia desde os primórdios do afloramento da sua sexualidade. Se deixou levar pelo ritmo do ar, pelo descompromisso do descompromissar. Se deixou.
- Não precisa me mandar embora dessa vez, eu já estou indo.
- Não, hoje você fica! Se você quiser, é claro! – sorriu.